domingo, 24 de fevereiro de 2008

ZECA DE LURDES PRETA E O ENTERRO DE ZÉ VELHO

Motivados pelo intenso frio que assola a cidade de Monteiro , e que perdura por quase todo o ano, alguns do seus habitantes enveredam pela trilha sinuosa das garrafas não escolhendo nem lugar nem hora pra "tomar uma".
Carlinhos Batinga, grande conhecedor da história monteirense e de suas almas fala do bebinho "juriti".
-E o que é bebinho "juriti"?
-É aquele que começa a beber às cinco horas da manhã .
Prá quem não conhece, a jurití é uma pombinha menor do que a asa branca e povoava em bandos o sertão antes do desmatamento que destruiu os seus ninhos e tirou-lhe a caatinga, o seu habitat.
De carne muito macia eram caçadas impiedosamente em tocaias erguidas na margem de cacimbas , tanques e pequenas lagoas onde iam beber água sempre de madrugada, quem quisesse caçar a jurití tinha que estar na "espera", entre quatro e cinco horas da manhã fora desse horário era perda de tempo.
Zé Velho era um bebinho "juriti", considerado no pedaço e um dia inventou de morrer. Os bons companheiros, Biu Catita, Zé de Teófilo, Mário Barrão, Zeca de Lurdes Preta, Zé da Bucha e outros menos importantes, prontamente fizeram um mutirão para dar-lhe um enterro decente: primeiro saíram na rua, apelando para as almas caridosas. Com o apurado compraram cachaça, um caixão, algumas flores de plástico e até convidaram outro bebinho da vizinha Ouro Velho, chamado Xililique que ganhava a vida chorando nos velórios,. Queriam um enterro "de fé" para o finado. Xililique prometeu e lá não pisou o que foi considerado um desfeita pelos organizadores do evento.
Bom , o cortejo foi organizado e seguia da casa de Zé para o cemitério sem nenhuma alteração . Enterro de bebinho tem as suas peculiaridades, todos querem pegar na alça do caixão, para demonstrar solidariedade - é ponto de honra- porém é uma cerimônia tensa, com poucos participantes , geralmente vão os quatro que conduzem o esquife e mais dois ou três de reserva, todos eles administrando uma dúvida cruel:
"Agora foi ele, quem será o próximo"?
Vão contando os passos na ansiedade de jogar logo o companheiro na cova e se verem livres dele e da sua tenebrosa herança.
O grupo já se aproximava do Campo Santo, quando passando em frente à casa de Zeca de Lurdes preta, esta se encontrava na calçada que ficava bem acima do nível da rua. Lurdes tava lá não só por curiosidade, mas também para dar um esbregue no marido Zeca.
E deu:
-"Tais vendo aí nego safado, o que acontece com quem vive bebendo cachaça"?
-O próximo vai ser tu, tu vais ver, tu vais morrer e vais direto pro inferno!
Zeca, compenetrado e querendo respeito no ambiente, parou o cortejo, encarou a mulher com a maior moral da terra.
-É eu sei que vou morrer de cachaça, e sei que vou pro inferno, mas assim que eu chegar lá, sabe a "premera" coisa que eu vou fazer?
Sei lá, o que é?
Eu vou mandar o cão "vim" aqui pra comer o teu tabaco.
Os bebinhos, numa risada só soltaram o caixão no barro duro, a tampa caiu pra lá, o braço do defunto ficou pendurado pra fora.
O enterro de Zé Velho, "acanaiou"...

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